domingo, 10 de outubro de 2010

Juo Bananere e Moacyr Piza

Texto que fiz para a apresentação da edição facsmile de calabar, que pode ser adquirido em http://www.necropolis.com.br/



Andando pela metrópole de São Paulo é comum depararmos com a leva de recentes imigrantes (bolivianos, nigerianos, romenos, angolanos, coreanos, chineses) que circulam pela cidade, apesar da presença maciça dos bolivianos e chineses nos imigrantes atuais o tipo mais retratado e mais representativo da metrópole ainda é o ítalo paulista.
Uma das causas da continuidade da representação do tipo ítalo paulista é o sucesso contínuo de Adoniran Barbosa, principalmente da música Trem das Onze que se tornou um hino da cidade de São Paulo, contudo as raízes de Adoniram Barbosa remontam a Juo Bananere (Alexandre Ribeiro Marcondes Machado).
As junções lingüísticas da língua portuguesa e dos povos imigrados não ocorreram apenas com o ítalo-paulista, o próprio grupo que acompanhava Adoniram Barbosa, Demônios da Garoa, gravou uma sátira usando o linguajar dos imigrantes judaicos do Bom Retiro na música Promessa de Jacob (Américo de Campos).
“ Jacó, "a" senhor me prometeu, Uma gravata, até hoje "inda" não deu,
Faz trinta anos, que "este" se passar, E até hoje, "o" gravata não "chegar". (porque ?)
Do outra "veis", "a" senhor "nom" deve prometer, Pois "da" contrario, senhor vai se arrepender ! Seus promessas, estar tudo "um" lindo fantasia, Mas na verdade, "a" senhor só dar Bom Dia ! Bom Dia, Jacó ”.
            Nessa letra percebemos a sonoridade da oralidade dos imigrantes expressas e registradas por um brasileiro (Américo de Campos) que notou a dificuldade da pronúncia dos imigrantes que falavam ídiche, hebraico e passaram também a falar o português. A dificuldade foi manifesta na música principalmente nos artigos, nos quais a troca do gênero é comum (a senhor, ao invés de o senhor).
            Apesar desse registro na música, na literatura o personagem judaico-paulista não foi muito utilizado. Várias iniciativas de escrita para representar outros tipos de imigrantes aconteceram como o personagem  nipo-paulista Tebato Nakara que escrevia no Diário do Abaixo Piques (volume 8, 22 de julho de 1933, p. 8)  na coluna Taka Shumbo Shimbum. Uma das manchetes de Tebato era Intelevista Kum Buda Bazirerô – O Futuro Poritiko Naxioná du  Brazi.
            Nesse caso, vemos a dificuldade da pronúncia da letra r e l pelos japoneses e também uma paródia aos jornais japoneses, que geralmente tem seus nomes acompanhados pela palavra shimbum (que significa jornal), ao invés de São Paulo Shimbum a coluna chamava-se TaKa Shumbo Shimbum, dando a sonoridade onomatopeica de explosão.
            Outra tentativa foi de Horácio Campos autor carioca que escreveu o livro Caldo Berde com o pseudônimo de Furnandes Albaralhão, retratando o imigrante  português  e sua pronúncia como no título do livro onde há a troca do V pelo B (berde), mais tarde o comediante Zé Fidelix criou uma peça de teatro na mesma linha intitulada Vacalhau e Binho.
Horácio Campos foi uma espécie de equivalente de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, enquanto um retratava o ítalo –paulista, o outro o luso-carioca. Um exemplo do texto de Horácio é a sátira de Olavo Bilac com o trecho de ubire as istrelas:
“Ora, dirais, ubire istrelas...Passo!
Num póde sêre! E eu bus diria: Aflito
Para ubi-las, acordo, olho pru espaço,
Tiro a cera d’ubido com um palito...”
A troca do v pelo b pode ser notada nas palavras ouvido (ubido), vos (bus), ouvir (ubire), além do escracho ao parnasianismo de Bilac.
Atualmente na literatura não vemos esse caldo linguístico dos novos imigrantes presente nos textos, apesar dos lanxi baulu e sucu lalanja dos chineses, do coracion dos bolivianos o tipo que permanece é ainda o ítalo paulista.
Comecei esse texto falando do elo Adoniram – Bananere (Rubinato – Machado) e para restabelecer a linhagem está faltando um outro autor para unir essas duas pontas: Osvaldo Molles.
Osvaldo, nascido em Santos, era o redator dos programas de rádio que João Rubinato (Adoniram Barbosa) participava e ele foi o principal responsável por Adoniram interpretar o ítalo-paulista, principalmente o personagem Charutinho do programa Histórias das Malocas, inclusive muitas músicas de Adoniram eram de composição de Molles.
Como escritor, também foi roteirista de cinema, Molles deixou uma obra (Piquenique Classe C), onde é possível ver a influência de Bananere:
“Quem quisé i no trem , paga só 80. De ônibo é 100...
Eu? Piquenique? In Santo? Qui é qui tem lá? Tem água? Água por água mi tomo eu um banho di bacia...
Da ôtra vêiz qui nóis vié vamo na Praia Grande, é muito mais milhó.”
O conto que dá  título ao livro mostra as aventuras de operários paulistas num piquenique em Santos e demonstra as duas pontas do ítalo paulista, um italiano em estado mais “bruto” (qui é qui), mais Bananere e outro mais assimilado (ôtra vêiz), mais Adoniram.
Não é necessário aqui salientar o papel fundamental que Alexandre Ribeiro Marcondes Machado teve no modernismo literário brasileiro, Monteiro Lobato chega a afirmar que ele seria o primeiro autor modernista do Brasil. A nossa proposta dessa reedição  é colocar a baila novamente esse livro publicado em 1917, para que pesquisadores, leitores tenham acesso a esse importante autor que direta ou indiretamente está presente no imaginário paulista.
Se Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (Juo Bananere) é pouco conhecido, a sua obra La Divina Increnca foi reedita pela editora 34 e o jornal Diário Abaxo  Piques foi reeditada pela editora da Unesp, imagem Moacyr Piza (Antonio Paes) co- autor dessa obra que reeditamos agora (Calabar).
Moacyr Piza é mais conhecido pela tragédia que culminou no seu suicídio do que suas obras, que não foram reeditadas. O episódio foi o seguinte: Moacyr era apaixonado pela dama da noite Nenê Romano (Romilda Macchiaverni), que muitos consideravam a mulher mais bonita de São Paulo nos anos vinte, e inconformado com o fim do relacionamento Moacyr acabou assassinado em 1923 a sua amada.
O seu túmulo no Cemitério da Consolação contém uma escultura de autoria de Leopoldo Silva, que retrata uma mulher em forma de interrogação, isso porquê um de seus poemas indagavam sobre as dúvidas do seu amor.
Por que o bem de olvidá-la não consigo?
Eu que, do seu amor, ando olvidado?
            Nenê Romano mulher altiva, continua olhando Moacyr Piza de cima, já que ela está enterrada no Cemitério do Araçá (no alto) e ele na Consolação (no baixo).
            Além da presente obra, Moacyr Pisa publicou também Sátiras número um (1916), com o pseudônimo de Antonio Paes, Vespeira (1923), Roupa Suja Polêmica Alegre e Três Campanhas, consta no exemplar que temos de sátiras número um, os volumes dois e três de Sátiras como a entrar no prelo e também uma outra obra Os Medalhões com a seguinte precedência em elaboração, porém não tenho conhecimento se essas três obras foram realmente publicadas.
            Sobre os dois autores podemos destacar que além de escreverem em jornais, os dois cursaram curso superior, Machado Arquitetura na Escola Politécnica e Piza Direito no Largo São Francisco. Machado projetou um prédio no centro de São Paulo (Rua Benjamim Constant n 171) e em Araraquara e Piza virou delegado de polícia.
Com relação a presente obra ela foi publicada em 1917 e satiriza o apoio do senador Valois de Castro a Alemanha na Primeira Guerra Mundial e não fez tanto sucesso da La Divina Increnca que na edição de Calabar consta em 1917 estar na quarta edição, ainda consta outro livro da dupla no prelo com o nome de Os  Ingapotádo, do qual também não temos notícia se foi realmente publicado.
Ainda sobre a dupla (Machado Piza) Bananere e Paes, além do Os Ingapotado, Calabar, há indícios que o livro Sátiras número um também poderia ter sido feito a quatro mãos como diz nessa nota da última página: “Os sonetos – O Chinda, Cahir do Azul e Sobre um Conquistador não são da lavra do auctor deste livro. Foram compostos por um distincto engenheiro, funcionário público, de monóculo, possuidor de um bello talento e que, embora as occultas, cultiva a sátira com muito brilho. Aqui os incluo, pensando dar, assim, maior interesse a esse volume.”  
Voltando para o Calabar, na edição de O Pirralho de 20 de maio de 1917, página 12, é possível ver o seguinte anúncio:
Calabar di Juó Bananere i Antonio Paes    -  Estupendimo livro livrio di sglugliambaçó co padri chi abracció u allem – avenda in tuttas parti!  - 1$000 cada uno.

Para compreender melhor a obra e o contexto dos escritos de  Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, sugerimos algumas obras:

BELLUZZO, A. M. M. Voltolino e as Raízes do Modernismo. São Paulo: Marco Zero, 1992.

CARELLI, M. Carcamanos e Comendadores: os Italianos de São Paulo: da realidade à ficção (1919-1930). São Paulo: Ática, 1985.

CARMO, M. M. Paulicéia scugliambada, Paulicéia desvairada: Juó Bananére e a imagem do italiano na literatura brasileira. Niterói: EDUFF, 1998.

FONSECA, C. O Abuso em Blague. São Paulo: Editora 34, 2001.

JANOVITCH, P. E. Preso por Trocadilho: imprensa irreverente paulistana 1900-1911. São Paulo: Alameda Editorial, 2006.

SALIBA, E.T. Raízes do Riso - A representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

SÃO PAULO DE JUÓ BANANERE  (Documentário 1998 – 30 minutos - Roteiro  João Cláudio de Sena, Paula Janovitch - Produção:  Paula Morgado)

Sinopse: A partir do olhar do poeta e jornalista Juó Bananére, o vídeo rediscute o caótico processo de formação da cidade de São Paulo nas primeiras décadas do século XX. Escrevendo em um dialeto, misto de italiano, português e linguajar caipira, Juó foi um crítico na mídia paulista.


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