Depois de muitos anos,
tentando ainda me livrar
das marcas do passado
fui ao cemitério retirar
os ossos do meu amigo.
Lembro-me de ter deixado
uma pedra em formato de
concha, sob a qual estavam
os seus objetos pessoais e
toda a minha lembrança.
Era meia-noite no relógio
da igreja e um velho sentado
cochilava com a sua carcaça
de quem estava prestes a partir
e abandonar de vez a praça.
Antes, porém, seria necessário
àquele velho feio e deformado
atravessar a ponte de concreto
armado e alcançar o outro lado,
onde não havia nada além do pátio.
Surpreendi o velho em sua travessia
quando eu vinha vindo em sentido
contrário e voltando dos bares que
estavam situados na margem oposta,
onde a vida era só queixa e desamparo.
O homem trazia em suas costas
uma caixa de madeira envernizada
e cheia de alças de metal dourado,
semelhante aos caixões que eu via
expostos na porta da casa funerária.
E perguntei-lhe, já meio bêbado,
o que ele carregava nas costas
e se era pesado – disse-me então
e sem olhar para o meu lado,
que ia levando apenas o seu leito.
De súbito, ocorreu-me o fato
e a lembrança que me levara ali:
desenterrar os restos mortais
do meu amigo, depois de passados
alguns anos, conforme combinado.
Mas não sei se fui ao lugar errado:
o certo é que encontrei apenas,
na escuridão da casa dos mortos,
somente uma velha caixa de amianto
e pedaços de tubos galvanizados.
“Ontem, à meia-noite, estando junto
a uma igreja, lembrei-me de ter vistoum velho que levava às costas isto:
um caixão de defunto”.
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921).
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Milton Rezende nasceu em Ervália (MG), na primavera de 1962. Escreve em prosa e poesia e a sua obra se divide entre inéditos e publicados. Entre estas últimas encontram-se O Acaso das Manhãs (1986), Areia (À Fragmentação da Pedra) (1989), De São Sebastião dos Aflitos a Ervália – Uma Introdução (2006) e Uma Escada que Deságua no Silêncio (2009). Possui inédito o livro A Magia e a Arte dos Cemitérios, para o qual procura editoras interessadas. Exemplares dos seus livros podem ser adquiridos diretamente com o autor através do e-mail: milton.rezende@yahoo.com.br
senistro essa poesia !!!!!!!!
ResponderExcluirParabéns pelo blog Dr. Cemitério e vida longa a este belo espaço de poesia. A minha amiga Preta achou este poema "Com um Berço nas Costas" sinistro...eu também acho!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMilton quero parabeniza-lo pela poesia rarapoesia,na escola a poesia nunca me despertou motivação,talvez pela falta de conhecimentos.Mas eu admiro aqueles que espalhem maravilhas não vistas a olho nu,que é a beleza da natureza.
ResponderExcluirabraços